CONtar o mundo
“Jogo” Laranja
Foi o fundo em tons alaranjados, desta imagem, que primeiro me prendeu! Depois, detive-me nas manchas ou borrões! Deixei-me atrair, afinal, pelo todo, tons e formas, por uma realidade abstracta, fora das coisas perceptíveis do mundo visível. Uma realidade, supostamente, ambígua e destituída de estrutura, mas que para mim me pareceu, no imediato, clara, provavelmente em nada consentânea com a identidade que lhe atribuiu quem a criou.
Num lapso de tempo, voltei a centrar-me nas manchas e fiz, quase sem dar por isso, uma espécie de exercício ou “jogo”, cujos resultados anotei, antes mesmo de me propor contá-los.
O que vi, então: indubitavelmente, as manchas pareceram-me duas aves, ou em concreto, duas galinhas, desalentadas, colocadas frente uma à outra.
A galinha à direita apresenta a cabeça descaída para o lado oposto ao da minha visão; as penas do peito estão soltas, mas emaranhadas, pelo que se seguram no seu lugar de origem. A cauda parece perfeita, ou seja, parece não ter sofrido qualquer tipo de “agressão”. A pata esquerda foi cortada, enquanto a pata direita se mantém visivelmente sã.
A galinha à esquerda apresenta-se prostrada, caída por terra, cobrindo com o próprio corpo as suas patas. Nem a cauda, nem a cabeça são visíveis. Resta-lhe, apenas, o pescoço. À sua volta há um conjunto disperso de penas. Dir-se-ia, que nestas condições, degradantes, vinham de uma “briga de galinhas”, fruto de um desentendimento que, aparentemente, resultou num clarão, que as envolve.
Mas, pode, para além desta visão, dar-se o caso de ambas as figuras “pertencerem” a um único ser, que está deitado, antes de, por uma razão qualquer, a cabeça, com cornos – lado direito, se ter desconectado do corpo – lado esquerdo. O clarão é, sempre, uma realidade.
Proponho-me repetir este exercício ou “jogo”, daqui a algumas semanas, e quem sabe, não veja no seu conjunto, arrojadamente, um céu aberto à hora do pôr-do-sol, e as asas de um magnânimo avião, envolto em nuvens?