Segunda-feira, 30 de Abril de 2007
O CANto dAS LetRAs

Parte III
Capítulo Inicial, atrasado e fora do lugar, para apresentar os “sapatos pretos” e a sua intrigante e anómala história de amor.[1]
Era uma vez, antigamente, quando a moda dos sapatos era exclusivamente, a moda dos sapatos brilhantes, pretos e pontiagudos, e em que as crianças chegavam no bico das cegonhas...era uma vez, um tempo muito diferente do de hoje, em que os meninos e as meninas já nascem a saber de quase tudo quanto há para saber e diz-se, por aprenderem no ventre materno, como se se fizessem psicoanalisar para escolherem, cada qual, o complexo “preferido”, a angústia, a solidão, a violência, o amor, ou todos à uma.
Mas foi naquele tempo, então, que aconteceu uma insólita história de amor entre dois sapatos pretos.
Tinham sido gerados e executados, no planeta mais próximo do Sol, onde tudo brilha e reluz e a fantasia se multiplica na imensidão dos espelhos. Num planeta onde, por isso, nada podia ser escondido: nem os objectos, nem os sentimentos, nem mesmo os pensamentos, porque tudo, irremediavelmente tudo, era uma eterna exposição de onde exalava uma espécie de vida reluzente e encantadora, capaz de fazer daquele lugar um paraíso mágico, sem a mentira. A única excepção eram os sapatos, por serem pretos, o que fazia deles motivo de muitas conversas, porque destoavam naquele lugar e por isso, sentiam-se incomodados e obrigados a viverem só um para o outro. Tinham sido gerados com um lapso de tempo, entre ambos, sem significado, mas suficiente para mantendo-se juntos experimentarem uma imensidade de possibilidades, mais ou menos ricas, capazes de os dotarem de acções ou comportamentos construtivos e encorajantes (criativos) ou, pelo contrário, restritivos ou destrutivos e, mais do que isso, muito punitivos. Tentando, cada um deles, agir sobre a experiência do outro, ou da sua própria, e receando cair, inconscientemente, nos extremos daquelas, os sapatos pretos, não fugiram à regra, ao resguardarem-se, por certo tempo, naquela peculiar embalagem, que lhes era totalmente adequada, compatível com a sua natureza diferente. Não saberiam eles, que assim estavam a usar os seus “mecanismos de defesa”, socorrendo-se a uma dupla violência? Se, por um lado, estavam alheados do mundo “real”, por outro, conhecendo-se como se conheciam, agiam não só sobre si mesmos, mas sobre o outro, numa atitude de reciprocidade, inúmeras vezes nefasta. Não constituíam os sapatos um par que se completavam, necessários a cada um dos pés que os calçava?
Ambos tinham o sentido da negação das experiências porque tinham passado, ambos se sentiam insatisfeitos, porquanto se encontravam num isolamento provisório, à espera, porventura, de uma solidão perpétua. Estavam como dois indivíduos, sem coisa alguma entre eles, e o seu problema, ou um dos seus problemas, era criar algo a partir de nada, num acto de imaginação.
Rezam as vozes, que um dos sapatos queria a todo o custo criar-se a si próprio, porque possuía um sentimento profundo de que fora “ mal criado”, criado apenas para ser destruído, também no brilho, quer estivesse na saca, ou nos Oceanos, no pé de uma sereia. Mas do outro, rezavam as vozes de que andava alienado, iniciado no desespero e prestes a terminar no fracasso.
Desta forma, não era fácil a dois sapatos, de pés distintos, encontrarem-se e fazerem parte da mesma história de amor, para a eternidade, porque isso implicaria uma confiança profunda na integridade do “eu”, profundamente abalada.
Na verdade, o sapato dado a fantasias estava obcecado pelo outro, mas isso tornava-o cada vez mais insatisfeito, porque o amor também pode ser um acto de violência suplementar, uma confusão de fantasmas, de corações quebrados, cheios de remendos e de vinganças.
E o narrador disse: - “os sapatos pretos, brilhantes e pontiagudos, não souberam ser prudentes, no que respeita à cegueira afectiva. Resta a um deles um medo profundo de viver e de amar como de morrer. E foi esse, desde sempre, desde o antigamente, o destino que lhe estava traçado”. E esse sapato disse: - “Escolheria os estreitos caminhos que conduzem à encruzilhada do fim da vida...”
FIM
[1] Esta história foi começada em 15 de Maio de 2002 e concluída em Agosto de 2003
Sábado, 28 de Abril de 2007
CONtar o mundo
“Jogo” Laranja
Foi o fundo em tons alaranjados, desta imagem, que primeiro me prendeu! Depois, detive-me nas manchas ou borrões! Deixei-me atrair, afinal, pelo todo, tons e formas, por uma realidade abstracta, fora das coisas perceptíveis do mundo visível. Uma realidade, supostamente, ambígua e destituída de estrutura, mas que para mim me pareceu, no imediato, clara, provavelmente em nada consentânea com a identidade que lhe atribuiu quem a criou.
Num lapso de tempo, voltei a centrar-me nas manchas e fiz, quase sem dar por isso, uma espécie de exercício ou “jogo”, cujos resultados anotei, antes mesmo de me propor contá-los.
O que vi, então: indubitavelmente, as manchas pareceram-me duas aves, ou em concreto, duas galinhas, desalentadas, colocadas frente uma à outra.
A galinha à direita apresenta a cabeça descaída para o lado oposto ao da minha visão; as penas do peito estão soltas, mas emaranhadas, pelo que se seguram no seu lugar de origem. A cauda parece perfeita, ou seja, parece não ter sofrido qualquer tipo de “agressão”. A pata esquerda foi cortada, enquanto a pata direita se mantém visivelmente sã.
A galinha à esquerda apresenta-se prostrada, caída por terra, cobrindo com o próprio corpo as suas patas. Nem a cauda, nem a cabeça são visíveis. Resta-lhe, apenas, o pescoço. À sua volta há um conjunto disperso de penas. Dir-se-ia, que nestas condições, degradantes, vinham de uma “briga de galinhas”, fruto de um desentendimento que, aparentemente, resultou num clarão, que as envolve.
Mas, pode, para além desta visão, dar-se o caso de ambas as figuras “pertencerem” a um único ser, que está deitado, antes de, por uma razão qualquer, a cabeça, com cornos – lado direito, se ter desconectado do corpo – lado esquerdo. O clarão é, sempre, uma realidade.
Proponho-me repetir este exercício ou “jogo”, daqui a algumas semanas, e quem sabe, não veja no seu conjunto, arrojadamente, um céu aberto à hora do pôr-do-sol, e as asas de um magnânimo avião, envolto em nuvens?
Sexta-feira, 27 de Abril de 2007
CANtar o mundo
Mudo Convite
O vento bateu à minha porta
Um convite p’ra sair
Leva-me a voar ó vento p’ra muito longe daqui
No teu lamento ó vento
Vejo a perfeição das coisas que foram minhas
No teu mudo convite
Vou p’ra onde não estou
A perfeição das coisas não se acha aqui!
Quarta-feira, 25 de Abril de 2007
CONtar o mundo
Cores da Primavera: o Verde e o Cor-de-Rosa.

Por intuição, ou por uma espécie de compreensão universal, existem cores que associamos às estações do ano. À Primavera associamos, normalmente, o verde, o azul, o amarelo, o cor-de-rosa e o branco. No entanto, cada cor tem, creio, individualmente, uma conexão de significados, pela forma como a percebemos. Digamos que, para além da compreensão universal, cada um de nós vê, sente e julga as cores de uma maneira muito pessoal.
As cores aparecem em todos os contextos possíveis e imaginários: na natureza, na arte, no vestuário, nos bens de consumo, na decoração, etc, e despertam em nós sentimentos muito distintos ou opostos, sentimentos positivos e sentimentos negativos. É, sobretudo, no vestuário que se enraíza ou percebe a relação da cor com os sentimentos, ou com o sentir.
Vestir verde na Primavera, é estar conectado com a essência da natureza, com o amor que devotamos a ela; é sinónimo de um estilo de vida ligado à sanidade; é ser jovem. É vestir a cor da fertilidade (na Primavera tudo germina e brota), a cor da esperança, da felicidade, é encanto e cortesia. Associar ao verde o cor-de-rosa é espalhar sentimentos positivos, é demonstrar amabilidade, é ser refinado. Cor-de-rosa, tom cálido “tipo Primavera”, sinónimo, igualmente, de encanto e cortesia.
As cores da Primavera são cores perfeitas para princesas, que além do mais, sabem que efeitos produzem as cores nos outros. Também, por isso, nem todas podemos ou sabemos ser princesas!
Nota1. Pelo que ficou dito, não admiro ou admito princípes vestidos de verde e cor-de-rosa.
Nota2: Guardo o laranja para o Outono.
Segunda-feira, 23 de Abril de 2007
O CANto dAS LetRAs
Rapariga das Laranjas (A)
"Rapariga das Laranjas: O que fazer quando um pai, falecido demasiado cedo para nos lembrarmos dele, decide falar com o filho, através de uma carta escrita há onze anos? Esta é a experiência de Georg Roed, de quinze anos, quando a família descobre a carta do seu pai. Juntos, Georg e o pai vão dialogar e manter finalmente a conversa de adultos que não puderam ter em vida. Nessa carta, Jan Olav, o pai de Georg procura uma bela rapariga carregada com um saco de laranjas. Nada o demove, nem o facto de não saber nada dela, nem o nome. Procura-a com todo o entusiasmo da juventude, enquanto imagina qual a razão que a leva a atribuir um valor tão grande às laranjas que ele, desastradamente, fez rolar nesse primeiro encontro. Georg mergulha nesta aventura descrita com grande paixão pelo pai, falecido quando ele tinha apenas quatro anos."
A Visão que HOJE tenho desta imagem…
A esplanada, que é um espaço exterior, caracteriza-se por uma ausência de animação, ou mais concretamente por não existir nenhuma comunicação. O silêncio domina o que se vê. As janelas estão fechadas e impõe à Rapariga das Laranjas limites! Como se o mundo exterior tivesse desaparecido e só ficassem mesmo as laranjas para dar o nome ao Blog. Ela, só, facilmente seria encontrada, se de facto, a procurassem na esplanada vazia!
Quinta-feira, 19 de Abril de 2007
O CANto DaS paLAvRas
Nas Palavras…
“Procura-se um AMIGO”, de Vinícius De Moraes, LEIO
O Amigo mais perfeito.
“Não precisa ser homem, basta ser humano, basta ter sentimentos, basta ter coração. Precisa saber falar e calar, sobretudo saber ouvir. Tem que gostar de poesia, de madrugada, de pássaros, de sol, da lua, do canto, dos ventos e das canções da brisa. Deve ter amor, um grande amor por alguém, ou então sentir falta de não ter esse amor. Deve amar o próximo e respeitar a dor que os passantes levam consigo. Deve guardar segredo sem se sacrificar. Não é preciso que seja de primeira-mão, nem é imprescindível que seja de segunda mão. Pode já ter sido enganado, pois todos os amigos são enganados. Não é preciso que seja puro, nem que seja todo impuro, mas não deve ser vulgar. Deve ter um ideal e medo de perdê-lo e, no caso de assim não ser, deve sentir o grande vácuo que isso deixa. Tem que ter ressonâncias humanas, seu principal objectivo deve ser o de amigo. Deve sentir pena das pessoas tristes e compreender o imenso vazio dos solitários. Deve gostar de crianças e lastimar as que não puderam nascer. Procura-se um amigo para gostar dos mesmos gostos, que se comova, quando chamado de amigo. Que saiba conversar de coisas simples, de orvalhos, de grandes chuvas e das recordações de infância. Precisa-se de um amigo para não se enlouquecer, para contar o que se viu de belo e triste durante o dia, dos anseios e das realizações, dos sonhos e da realidade. Deve gostar de ruas desertas, de poças de água e de caminhos molhados, de beira de estrada, de mato depois da chuva, de se deitar no capim.
Precisa-se de um amigo que diga que vale a pena viver, não porque a vida é bela, mas porque já se tem um amigo. Precisa-se de um amigo para se parar de chorar. Para não se viver debruçado no passado em busca de memórias perdidas. Que nos bata nos ombros sorrindo ou chorando, mas que nos chame de amigo, para ter-se a consciência de que ainda se vive”.
Segunda-feira, 16 de Abril de 2007
O CANto dA NatUreZa
A Montra da Natureza
Na montra da Natureza, a moda da Criação para a Primavera é simplesmente deslumbrante.
Sábado, 14 de Abril de 2007
O CANto dAS LetRAs

Os Sapatos Pretos
Parte II
Depois de lhe terem encontrado um destino, os Sapatos Pretos, nunca mais tinham saído daquela sua saquinha felpuda, onde, supõe-se, levassem uma vida regalada, cheia de conforto e bons odores. Mas, o pior estava para acontecer! Alguém inventara uma festa de pompa e circunstância e os sapatinhos pretos teriam mesmo de sair à rua. Insatisfeitos com esta decisão imprópria para quem tinha em mente resguardar-se dos efeitos nocivos de estarem neste mundo, em particular devido à malícia dos homens, cada qual, em sinal de protesto, resolveu, em separado, sair mais cedo da saca, para voltarem a pisar os calhaus, ou mistérios, por onde em tempos tinham andado e tinham sido alvo de cogitações mórbidas.
O sapato do pé direito pensou que o caminho mais curto para lá chegar, era o caminho de baixo, ainda que tivesse de se cruzar com alguns pedregulhos, que poderiam esfolar suas adelgaçadas pontas, roubando-lhe a sua beleza, inveja de muitos. Já o sapato do pé esquerdo, pensou e escolheu o caminho de cima, que embora mais longo, já tinha sofrido a pressão do alcatrão, e por isso, não correria o risco de se molestar, perdendo a sua beleza de nascença. E se assim o pensaram assim o fizeram. Já caia a noite quando ambos se encontraram a repousar, de calcanhares voltados, em suspiros, lamentando-se em voz alta, pela ideia que tinham tido. Afinal, tinham querido fugir ao festim da vida, julgando que no meio dos apertos alguém os estragaria irremediavelmente, trancando-os. Mas agora, cansados e pesarosos por não terem cumprido com o destino, restava-lhes recuperar as forças e voltar, tão rápido quanto possível, para o saquinho felpudo e cheiroso, de onde nunca deveriam ter saído.
A noite estava amena e só se ouviam os uivos de um cão morrinhento, que agonizava com o peso das pulgas, e as ondas a enrolarem levemente até baterem nos rochedos. Cansados da viagem sentiram medos, os medos próprios de uns sapatos novos, modernos, pretos e brilhantes, pouco habituados a aventuras. Aos uivos do cão juntaram-se os prantos dos sapatos, que perguntavam um para o outro como aliviar o pesado fardo que o futuro lhes reservava, irem para o Céu, sempre pretos e brilhantes. Essa ideia atemorizava-os, pois desta forma não podiam gozar a vida, em liberdade e amizade com a temperança. Ainda esboçaram um plano de fuga: não retornar à saquinha que os protegia das malícias e da velhice e ao mesmo tempo abafava os desejos, mas o cansaço, que era tanto fê-los adormecer profundamente. No dia seguinte, estava escuro, e o odor da saquinha de estimação envolvia-os no conforto do hábito. Tinham tido um pesadelo! Tudo estava como dantes, e os uivos agoirentos do cão tinham desaparecido, como que a adiar a partida do sapatos, de bicos voltados para cima, pretos e brilhantes, para o Céu.
[1] A experiência é fonte de toda a teoria
Terça-feira, 10 de Abril de 2007
CANtar o mundo
Ternura
A Memória às vezes é madrasta
Outras vezes tem laivos de ternura
Era nestes que eu queria que ela se fixasse!
Segunda-feira, 9 de Abril de 2007
O CANto dAS LetRAs
“O Velho que Lia Romances de Amor”
A “barbárie” de tudo quanto o Homem inventou é a causa do nosso desequilíbrio. Se aos poucos perdemos a simplicidade e a sabedoria natural contida nas coisas simples da vida, aos poucos afastamo-nos da natureza onde existem as formas mais naturais de equilíbrio.
“O Velho que Lia Romances de Amor”, de Luís Sepúlveda, António Proanõ de nome, amava a floresta e a natureza, admirava a vida no seu estado mais puro, mas mesmo assim foi obrigado a agir contra ela. (não terá sido o primeiro, nem o último!)
Ler romances tristes, com muito sofrimento por causa do amor e com um final feliz, no seio da Amazónia, talvez tenha sido a forma que encontrou para se humanizar!?
“Arguta inocência” disseram, sobre o livro e não sobre ele!