Tenho em memória algumas imagens que me ligam ao passado, longínquo, mas reconfortante da minha infância, do qual tenho saudades.
Estou como que a ver o dia em que Guilherme Bento, meu pai, entrou pela porta dos fundos com um exaustor às costas, ao mesmo tempo que deixava sair um dos seus singulares comentários, próprios de quem sabia o que dizia: Trago o progresso às costas! Um aparelho, o primeiro que entrava em nossa casa, para sorver os calores da panela das sopas de feijão besuntadas de toucinho. Com esta nova tecnologia, pensava resolver o problema dos fungos das paredes, sorvendo o vapor das sopas antes de ele se colar nelas, (toucinho preso nunca vi!), embora o problema tivesse teimado em persistir sem uma solução prática que não fosse a mortal lixívia que sobre elas derramava periodicamente e que era causa de alergias e ardumes em nossos pequeninos olhos.
Depois do exaustor tenho assistido, a uma velocidade estonteante, ao aparecimento de uma infindável maquinaria, hoje pertença do mundo das tecnologias de ponta, para todos os gostos e feitios. E antes dele, depois da máquina de escrever, dos auto copistas, do telégrafo Morse, do fonógrafo e dos telefones, tudo em modelos arcaicos, contados por Eça de Queirós, quantos aparelhos não vimos melhorados e sofisticados para serem os grandes facilitadores do pensamento e das nossas vidas?
É impensável, hoje, acompanhar tanta evolução! Hoje o que é um 8px/3, em qualquer aparelho, amanhã já é um 16px/6, e assim por diante. Acomodemo-nos por algum tempo, por favor!
Perante o não menos estonteante movimento de carros e suas marcas de chapa, aparelhos, de outra linhagem, uns homens mandaram criar uma máquinas verticais, com ranhuras que recebem dinheiro, a que chamaram de parquímetros, para que aos cidadãos fosse dada permissão para pararem seus carros nas ruas. São estas máquinas autênticos sorvedouros de dinheiro, um modo de vida para quem as mandou trazer para a ilha. O cidadão que já pagava imposto para circular nas ruas paga agora, também, para estar parado.
A nossa sorte é termos ao lado dos ditos parquímetros, mais cá mais lá, uma outra espécie de máquinas que guardam e dão dinheiro por um processo tão simples como o de introduzir nelas um cartão em PVC, que nos permite indicar quantas notas queremos, e nem é preciso fazer contas ao que fica, quando fica, porque ela apronta-se a dizer. Pagamos o parquímetro, o tempo que for preciso, ela desconta ao saldo contabilístico, e como dizia, também, meu pai, só o que fica é que é nosso.
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